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O vento quase sempre nunca tanto diz*

Nesta Carta a Brasília de julho, um brasiliense vivendo em Jerusalém conta, com baforadas de humor e uma brisa de ironia, como as conversas sobre o clima são onipresentes nas duas cidades


(Por Felipe Campbell**)


Todo brasiliense, nativo ou adotado, está fadado a ouvir dos forasteiros de outros estados que desembarcam na capital (alguns obviamente mal-agradecidos) que Brasília é a “capital mundial da falta do que fazer”. E por consequência da falta de assunto.

De fato, se você tirar da pauta das rodas e mesas de prosa brasilienses temas como concursos públicos, o “sonho” da casa própria, bichinhos de estimação, crianças, fim de semana em Pirenópolis ou na Chapada dos Veadeiros e as últimas do Congresso Nacional restará ainda assim o assunto favorito do brasiliense: o clima.

Falta de chuva e a baixa umidade de Brasília viraram até letra de música do Natiruts. (Foto: Agência Brasil)

Estatísticas absolutamente não-oficiais e não-auditadas em cédulas impressas dão conta que o verdadeiro brasiliense tece com propriedade comentários sobre o clima entre 17 e 39 vezes ao dia com sua família, colegas de trabalho, de faculdade, qualquer desconhecido ou transeunte que encontra na rua ou no elevador e, pasmem, até mesmo com seu interesse ou par amoroso. “Estamos há 104 dias sem chover”, manchetam os principais periódicos do quadradinho em meados de agosto. “E nesse instante foram detectadas gotas de chuva na Asa Norte” é a frase que mais “bomba” nos stories do Instagram e no Twitter entre setembro e outubro a cada ano. “Ah, mas não pegou no pluviômetro, então não conta”, desconversa algum cético mais rabugento (me incluo nessa turma), em alguma mesa de bar ou grupo de What´s App.


Em que pese estar há quase três anos morando a mais de 10 mil km de distância de Brasília, a minha memória afetiva com a discussão climática segue vivíssima aqui em Jerusalém. Na cidade onde o mundo teoricamente pode ter começado (e onde dizem que vai terminar um dia), no epicentro agregado e desagregado das três maiores religiões monoteístas do mundo, falar sobre o sol e a seca é, também, quase uma questão de sobrevivência.

Neste início de julho, o brasiliense deve estar tirando do armário aquela jaqueta de couro comprada na Expo Tchê e que fica mofando lá por cerca de 11 meses no ano doido para arrumar alguma festa junina bacana nos clubes, quermesses, escolas ou organizadas pela firma. “Você viu que vai fazer 17 graus hoje à noite?”.


U-A-U-U!!!


Enquanto isso, aqui em Jerusalém, fazem neste exato instante impraticáveis 38 graus. O bafo quente denuncia a proximidade com o deserto da Judeia. Um deserto “de verdade”. Não o cerrado “deserto” cheio de cachoeiras aí do Planalto Central. Coisa de profissional.

“Jeru” tem em escalas colossais o que o brasiliense raiz acha que é seu carma. Aqui nessa parte do Oriente Médio a poeira se confunde com o ar. Tem tempestade de areia. Secura extrema. Aquele sol que dói igual a um corte profundo na pele. E assim vai até – vejam só – fim de setembro, começo de outubro. Quando, em uma espécie de maratona da resistência climática, a Cidade Santa disputa segundo a segundo com Brasília quem será agraciada com a primeira gota de água da chuva novamente.


As tempestades que chegarão concomitantemente a estes distintos e distantes universos paralelos, porém, colocarão um ponto final à temporada de semelhanças climáticas entre Jeru e a minha Brasília. Contrariando o estereótipo transmitido aos menos informados sobre a região, o frio vem de verdade em Jerusalém. Muitas vezes traz consigo geadas, granizo e neve.


A neve que cai em Jerusalém põe fim às semelhanças climáticas com Brasília. (Foto: Felipe Campbell)

Aqui vemos duas diferenças entre as cidades: neve e metrô acessível (Foto: Felipe Campbell)

“Jechuvalém” no inverno aumenta ainda mais a saudade de Brasília e do seu Eixão com cerveja artesanal, encontros aleatórios ao ar livre e do Lago Paranoá com as legiões de capivaras. Da Dom Bosco, do Xique-Xique, do Beirute, do Amigão, da Rossoni e do Sky´s. Às vezes até do Rodoburguer (é brincadeira, ok?).


Na falta da Pizzaria Dom Bosco e Pastelaria Viçosa, o jeito é ir de Moshiko. (Foto: Felipe Campbell)

Mas vence na vida quem se adapta às mudanças. E aqui em Jeru tem o Moshiko, na Ben Yehuda, onde se come falafel, kebab e schawarma com velocidade de preparo e quantidade de calorias diretamente proporcionais às ingeridas na Pastelaria Viçosa. E enquanto a paçoca, a carne de sol e a manteiga de garrafa são apenas um sonho 10.289km distante de casa, eu me viro com o pão pita (não ouse chamar de pão sírio!!!) e as almôndegas de carne com arroz e feijão do Humus Pinatti, aqui na rua King George.

Porque meu nome é tradição. Faça chuva ou faça sol.




* A frase é um dos versos da canção Música Urbana, sucesso da banda Capital Inicial


**Felipe Campbell nasceu e cresceu em Brasília. É jornalista e publicitário de formação, apaixonado por sua cidade-natal e está desde 2020 trabalhando como expatriado em Israel.

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